Relatório Anual 2015

Pesquisa e sistematização de metodologia investigam contribuição da Fundação Tide Setubal para o desenvolvimento local de São Miguel Paulista em seus dez anos de atuação

Desde 2006, as diversas iniciativas realizadas pela Fundação Tide Setubal procuram articular a oferta de serviços nos territórios com a produção de conhecimento, o fortalecimento de instituições locais, a mobilização e a articulação de agentes promotores de desenvolvimento local e a influência em políticas públicas.

A partir do mote da celebração dos dez anos, que acontece em 2016, a Fundação Tide Setubal realizou dois estudos para investigar as transformações ocorridas em São Miguel Paulista no período entre 2005 e 2015. Os trabalhos tiveram como objetivo destacar as lições aprendidas e que podem ser tomadas como referência para outras intervenções em periferias de grandes cidades, além de sistematizar o conhecimento para compartilhar com diferentes públicos a sua trajetória de atuação voltada ao desenvolvimento local.

A primeira frente de sistematização foi realizada pela Casa7 Memórias e Aprendizagens. O processo de sistematização reconstituiu a história institucional, mapeou os procedimentos e o conteúdo de aprendizagem desenvolvidos nos projetos e organizou o desenho metodológico das nossas ações, considerando os objetivos estratégicos, núcleos de ação e os programas e projetos. A metodologia utilizada para revisitar e registrar o percurso em São Miguel Paulista envolveu a análise de documentos – relatórios de atividades anuais, artigos, publicações – e também a realização de entrevistas e grupos focais com diferentes personagens que passaram por nossos projetos, como beneficiários, parceiros, consultores ou gestores.

Todos os passos dessa jornada foram conduzidos sob o olhar atento de um grupo de reflexão composto por profissionais da equipe que acompanharam a trajetória de conquistas da Fundação ao longo dos anos. O levantamento trouxe à tona a prática do cotidiano de trabalho, as lições aprendidas, bem como indicações de caminhos que se abrem para a implementação de novas experiências no campo do desenvolvimento sustentável nos territórios.

Em outra frente, a Fundação optou por reunir uma série de indicadores sociais e econômicos para olhar e analisar as transformações ocorridas na região. O estudo buscou ressaltar em que medida a Fundação Tide Setubal e as demais organizações da sociedade civil contribuíram para a indução dos processos de desenvolvimento na região. Vários dos elementos quantitativos e qualitativos considerados sugerem que tal papel foi relevante em determinados casos para a região de São Miguel Paulista. 

O estudo foi realizado pelos pesquisadores Haroldo da Gama Torres e Wladimir Machado, levando em conta os dados disponibilizados pela Fundação Seade nos últimos anos, comparou o distrito de São Miguel Paulista com outros cinco distritos próximos – Ermelino Matarazzo, Vila Jacuí, Vila Curuçá, Jardim Helena e Itaim Paulista. Essas regiões compreendem, juntas, uma população de 861 mil habitantes. São Miguel Paulista, onde se encontram os nossos dois espaços de atuação direta com a população, tem cerca de 400 mil habitantes e apresentou melhora relativa em 11 indicadores selecionados – cinco indicadores tiveram piora relativa e um permaneceu estável. Os demais distritos tiveram evolução inferior à de São Miguel Paulista.

Em sua maioria, os indicadores selecionados foram aqueles que apresentam relação com a atuação da Fundação Tide Setubal, tais como gravidez na adolescência, cobertura de creches, da rede socioassistencial e da atenção básica em saúde.

No que se refere à saúde, a gravidez precoce reflete também aspectos de vulnerabilidade social, revelando uma menor capacidade de planejamento da trajetória de vida dos jovens. Em 2007, São Miguel Paulista era o penúltimo do ranking para esse indicador (95). No período seguinte, São Miguel Paulista avançou 20 posições, passando para a posição 75.

Outro aspecto com evolução positiva foi a demanda por vagas em creches, que, em São Miguel Paulista, passou de 11% (736 vagas), em 2007, para 4,8% (344 vagas). Essa redução da demanda é muito superior à observada no conjunto da cidade. Com isso, São Miguel Paulista passou da posição 63 (2007) para a 27 (2014) no ranking. A forte mudança observada nesse indicador foi influenciada pela atuação da Fundação e da comunidade do Jardim Lapenna junto ao poder municipal. Processo semelhante foi observado na instalação do Posto de Saúde do Jardim Lapenna.

No que diz respeito aos indicadores educacionais, a distorção idade-série no Ensino Médio caiu de 18,6% (2011) para 16,3% (2013) – um resultado expressivo, dado o curto período de tempo considerado. Em 2013, São Miguel Paulista ocupava a posição 33 no ranking da capital, nível bem inferior aos demais distritos da região. Vila Jacuí e Jardim Helena também apresentaram avanço nesse indicador, ao contrário de Vila Curuçá, Ermelino Matarazzo e Itaim Paulista, que, apesar da melhoria no nível, mostraram ligeiro recuo no ranking da cidade.

No que tange a habitação, condições locais, mortalidade de adultos jovens, na comparação entre 2005 e 2012, o distrito de Itaim Paulista foi o que apresentou a evolução mais substancial para o indicador, chegando à posição 37 no ranking. Depois dele, São Miguel Paulista foi o que evoluiu mais rapidamente, ganhando 13 posições. A taxa de mortalidade de jovens adultos caiu 25% nesse distrito (151 por 100 mil habitantes em 2012), convergindo para a média da região em estudo. A mortalidade caiu de forma mais modesta nos distritos de Vila Curuçá e Jardim Helena, mas cresceu em Vila Jacuí e Ermelino Matarazzo.

A análise dos dados foi acompanhada da escuta do território para ações realizadas pela Fundação Tide Setubal no CDC Tide Setubal e no Galpão de Cultura e Cidadania. O primeiro espaço localiza-se no Jardim São Vicente, região próxima do mapa, onde a pesquisa identifica um reforço da centralidade urbana com uma ampla rede de serviços e de comércio. Já o Jardim Lapenna, bairro que abriga o Galpão de Cultura e Cidadania, concentra um emaranhado de desafios que traçam um mapa de grande complexidade social e de desigualdade.

Ao mergulhar nos dados e também no contato com moradores, lideranças e beneficiados, a pesquisa revelou que:

“Ao optar por concentrar suas atividades em um único ponto do território – atuando em diferentes dimensões –, a organização convergiu, para um mesmo espaço geográfico, uma massa substancial de recursos econômicos, simbólicos e políticos que parecem ter sido capazes, em diferentes momentos, de contribuir para transformações substanciais. É também verdade que não há contrafactual, isto é, não é possível saber como teria sido a trajetória da região sem a presença da organização. Posto isso, o acúmulo de evidências de mudanças significativas – concentradas exatamente nos locais em que a ação da Fundação Tide Setubal foi mais presente – chama muito a atenção.

Esse acúmulo sugere que a Fundação, muito provavelmente, contribuiu em alguma medida para as transformações positivas observadas no distrito de São Miguel Paulista no âmbito deste estudo. No entanto, apesar dessas evidências positivas, projetos desse tipo podem sempre ser adaptados e revistos, inclusive em função de novas dinâmicas da organização e do novo momento do território.”¹

Os estudos serão transformados em uma publicação, que será lançada em novembro de 2016, no Festival do Livro e da Literatura. No livro, artigos revelam como a Fundação Tide Setubal atuou no âmbito desses indicadores. Além disso, o material apresentará os pressupostos metodológicos do trabalho focado no desenvolvimento local sustentável. Com isso, a Fundação Tide Setubal pretende fomentar o debate e inspirar outras iniciativas na busca da equidade.

¹ Transformações da região de São Miguel Paulista e seus principais significados para a atuação da Fundação Tide Setubal.