Relatório Anual 2015

OBJETIVO 1 | Contribuir para a redução das vulnerabilidades sociais de adolecentes e jovens de São Miguel

Mobilização e articulação

Circulação e participação em espaços de diálogo, de formação e de promoção de direitos apoiam o desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens

Promover o aumento da participação dos jovens nas questões do território e da cidade por meio da circulação pelo bairro ou por outras regiões é parte essencial do processo de contribuir com o desenvolvimento humano e local. É estratégia, também, para a redução das vulnerabilidades de crianças, adolescentes e jovens de São Miguel Paulista, um dos objetivos da Fundação Tide Setubal.

A circulação promovida com os participantes dos projetos da Fundação não se dá em caráter passivo, colocando-os no papel de público que contempla um espaço. Sujeitos de direito, eles constroem e transformam essa cidade com seus olhares, debates e intervenções, de forma ativa.

Ao longo de 2015, crianças, adolescentes e jovens estiveram em diferentes contextos que discutiram e promoveram direitos e dialogaram com os seguintes temas: Redução da Maioridade Penal, Direito à Cidade, Relações Étnico-Raciais e Desenvolvimento Pessoal e Social.

O debate sobre a Redução da Maioridade Penal entrou na pauta da Câmara dos Deputados em meados de março. Entidades sociais e de direitos humanos, como também o movimento do Plano Juventude Viva, se mobilizaram contra a proposta de emenda constitucional, uma vez que as medidas atingem principalmente jovens em situações de alta vulnerabilidade, negros(as) que moram na periferia com direitos – como habitação, saneamento básico, saúde, educação, mobilidade, cultura, lazer e segurança – violados previamente.

A Fundação Tide Setubal se colocou contrária à redução da maioridade penal e realizou reflexões e intervenções para problematizar o quanto essa proposta interfere diretamente na vida desses adolescentes e jovens. Tais reflexões e intervenções se orientaram pelas diferentes estratégias pedagógicas, com a discussão dessa pauta em encontros na Câmara Municipal de São Paulo, na Subprefeitura de São Miguel Paulista e na Universidade Cruzeiro do Sul, além das reflexões e ações nos espaços educativos do Galpão de Cultura e Cidadania.

Uma delas foi a quadrilha O Fazedor de Amanhecer, que retratou a violência sofrida pelos adolescentes e jovens no contexto social urbano, mostrando o paradoxo entre os direitos humanos (lúdico) e a barbárie (contextos de punição, vingança e criminalização dos adolescentes e jovens), bem como o papel da mídia nesse contexto. Essa proposta foi apresentada no Encontro de Cultura Caipira no CDC Tide Setubal e no Galpão de Cultura e Cidadania.

Paralelamente a esse movimento, mas ainda na interlocução com o poder público, os jovens visitaram a Câmara Municipal de São Paulo para entender a função do vereador e a relação da Câmara Municipal com a população. Eles organizaram, também, uma reunião com o subprefeito de São Miguel Paulista, visando debater a criação de uma praça no bairro. Os jovens marcaram presença no lançamento dos Indicadores de Referência de Bem-Estar do Município (Irbem) Criança e Adolescente, pesquisa organizada pela Rede Nossa São Paulo sobre a qualidade de vida na cidade, apoiando a elaboração do evento e a adequação da linguagem da apresentação da pesquisa para o público jovem.

A circulação fortaleceu o debate sobre a cidade como direito, com suas contradições em uma eterna luta de quem vive na periferia, sem acesso ao transporte público de qualidade, com precariedade e pouca oferta de equipamentos e serviços sociais essenciais, como universidades, escolas, museus, teatros, cinemas, praças, parques, hospitais, saneamento, iluminação pública, entre outros.

Outra frente de circulação se baseou na fruição por equipamentos e serviços de cultura, educação e lazer; em espaços de debates sobre juventude, direito à cidade e espaço público e em oportunidades de proposição e diálogo com o cenário de mobilizações por direitos e políticas públicas protagonizadas por adolescentes e jovens. Circularam em espaços e contextos de cultura, lazer e arte da Avenida Paulista e da Vila Madalena e marcaram presença em peças teatrais de coletivos culturais do bairro. Participaram e promoveram debates sobre ocupação e circulação da juventude em espaços públicos no Encontro de Cultura Hip Hop e Aliados, na XI Mostra de Teatro de São Miguel Paulista e no Festival do Livro e da Literatura de São Miguel Paulista.

Além dessas vivências, a Fundação buscou estimular a participação em espaços de formação pessoal voltada ao desenvolvimento integral, considerando múltiplas dimensões (física, intelectual, social e emocional). Interação com o outro e convívio social, orientados por princípios de solidariedade, cooperação, autonomia, comunicação e autoconfiança, foram priorizados, buscando o exercício de fala e escuta compartilhada, de articulação e mobilização em prol do coletivo, de intercâmbio com adolescentes e jovens de outras instituições.

Esses princípios estão presentes nas oficinas semanais Um Passe para a Arte (Capoeira, Dança, Artes Plásticas e Xadrez), Espaço Jovem, Vagalume, Toque de Letras (Esporte, Comunicação e Cidadania), Módulo de Iniciação Teatral, Oficina de Luteria, Intermídia Cidadã e Pontinhos de Cidade (Comunicação e Mobilização), realizadas pela Fundação Tide Setubal no Galpão de Cultura e Cidadania.

Com base nessas vivências, as crianças e os jovens constroem novas experiências no próprio Galpão, como aconteceu, por exemplo, com a criação de uma Comissão Jovem para organização da Barraca Jovem na Festa Julina do Galpão de Cultura e Cidadania, a fim de captar recursos para promover um momento de lazer com churrasco no Sesc Itaquera.

 

A apropriação e o empoderamento ganham o território com propostas de compartilhamento das descobertas dos participantes dos projetos com outras instituições, como aconteceu com a realização de oficina sobre sexualidade para adolescentes no CCA Jardim Lapenna, articulada à Virada da Saúde. Uma apresentação de dança de frevo na Fábrica de Cultura do Itaim Paulista e um espetáculo de dança (música: Brasil, de Cazuza) na abertura da mesa Os Olhares pela Cidade, na Praça do Forró, no Festival do Livro e da Literatura, também estiveram no calendário 2015.

A visita a equipamentos locais também fortalece o pertencimento do grupo em relação ao território. Participantes do projeto Toque de Letras, da Fundação Tide Setubal, que conecta esporte, cidadania e comunicação, visitaram os equipamentos esportivos de São Miguel Paulista (CEU Curuçá e Balneário Almirante Pedro de Frontin) em uma expedição fotográfica com o tema Equipamentos Esportivos da Região para colocar em prática os conhecimentos adquiridos em fotografia. Eles competiram também em amistoso com o CDC Jardim Helena, visando estimular o convívio, o respeito e a integração com outros jovens integrantes de projetos sociais na localidade.

Considerando que o território de atuação tem ampla e forte presença de migrantes nordestinos e negros, as questões étnico-raciais são tema de grande relevância e trabalhados continuamente para valorizar as manifestações culturais tradicionais que dialogam com a cultura africana, afro-brasileira e indígena e, também, para problematizar preconceitos e a discriminação racial, questões relacionadas ao Plano Juventude Viva.

As reflexões e intervenções desenvolvidas se orientaram pela participação em debates com escritores militantes pela igualdade, como a roda de conversa com a escritora Kiusam de Oliveira no Sesc Itaquera, que abordou a importância da valorização da sua identidade para reconhecer e combater o racismo presente no nosso dia a dia; nas vivências em expressões afro-brasileiras, por meio de oficinas semanais em diferentes projetos da Fundação – Um Passe para a Arte, Espaço Jovem e Vagalume – que discutem essa temática; em apresentações de dança e capoeira em espaços públicos, como na roda de capoeira no Fórum de Prevenção à Violência de São Miguel e de Maculelê, na EE Professor Pedro Moreira Matos, na Semana da Consciência Negra e, também, nos festejos do aniversário de São Miguel Paulista.

Soma-se a essas atividades o acampamento em Brasília para realização de intercâmbio com os adolescentes da Amazônia Legal brasileira, parceria com a Rede Vagalume, que promove o diálogo intercultural, além da visita da comunidade indígena de Parelheiros na Festa Julina da Fundação Tide Setubal no Galpão de Cultura e Cidadania, com uma vivência sobre as brincadeiras e apresentações musicais da cultura indígena (coral indígena Tenondé Porã).

 

Desafios e lições aprendidas

O processo de contribuir para o aumento da participação de crianças, adolescentes e jovens atendidos pela Fundação e parceiros em diferentes espaços e contextos traz alguns desafios.

Um deles se dá no encontro com a cidade. Quando os educadores chegam com um grande número de adolescentes e jovens aos espaços da cidade, a reação de alguns funcionários e do público é de estranheza, parecendo expressar medo e apreensão. Para os educadores, essa situação se relaciona com o estereótipo atribuído a grupos de adolescentes, como no caso da rejeição aos rolezinhos, que levou as pessoas a generalizarem e associarem esses grupos ao imaginário de violência e insegurança. Em uma das saídas de 2015, em uma visita à Avenida Paulista, os jovens sentiram na pele o preconceito em relação à presença do grupo em um grande shopping. Transformaram essa experiência no vídeo Paulista pra Quem? para compartilhar e debater a experiência com outros jovens. O material serviu, também, de disparador para a roda de conversa Os Olhares pela Cidade, no Festival do Livro e da Literatura de São Miguel Paulista, com jovens do CCA Jardim Lapenna.

Muitas lições foram aprendidas nesse processo, e estas podem contribuir com outros projetos que também promovem circulação pelo bairro e pela cidade. Uma delas é a necessidade de existir uma roda de conversa após os passeios, a fim de gerar a oportunidade para os participantes ampliarem a compreensão do espaço ou da atividade, fugindo de uma leitura superficial de cenas e imagens fragmentadas, sem uma compreensão da mensagem e de uma associação com sua realidade. Cabe ao educador fazer essas provocações para promover esse salto na reflexão e no pensamento crítico.

Outra lição aprendida é que, ao visitar lugares que discutem questões culturais estereotipadas pela sociedade, como o Museu Afro, por exemplo, é de fundamental importância a presença de um monitor especializado no tema para apresentar o conteúdo e provocar e questionar os participantes. A equipe identificou a reprodução de discursos preconceituosos pelos adolescentes e jovens quando esse processo não é acompanhado por monitoria.